quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Janelas nas medianeiras

O cinema perdoou minha longa ausência e, ontem, me deu tudo que eu precisava: ótima fotografia, introspecção do ser humano (urbano) e uma hora e meia de relax.

Nada mais pertinente com as nossas vidas interconectadas, porém solitárias, que a história do filme argentino Medianeras. Quando acordamos e a primeira coisa que solicita a pupila de nossos olhos é a luz da tela do celular, provavelmente demoraremos uma semana ou mais para encontrar as pessoas com as quais falamos tanto digitalmente. As relações epistolares, que antigamente eram uma forma de enganar o tempo e prelúdio de encontros emocionantes, hoje se encaixam de forma quase fastidiosas em nossas rotinas. 

Mariana, no filme, relembra que a promessa da era digital era de nos aproximar cada vez um pouco mais; na verdade, a seu ver, começamos a criar distâncias ainda mais acentuadas do que as reais. 

Em Medianeras, duas personagens neuróticas, fóbicas, sozinhas e de uma beleza interior infinita se desencontram de uma forma hilária na floresta de concreto que é Buenos Aires. A única brecha que quebra o muro do isolamento das "medianeiras" - laterais dos prédios que antigamente se apoiavam a outros que foram demolidos - é o ataque subversivo que os dois tem ao mesmo tempo. Como muitos fazem, eles mandam abrir ilegalmente uma parte da parede interna para construir uma janela. A busca de luz, oxigênio e vida os leva ao primeiro contato visual, através suas janelas perdidas nas alturas das medianeiras.

O filme parece não ter muitas pretensões até que nos demos conta que sua real preocupação é o contraste Eu/multidão e a problematização de ser importante ou útil em qualidade de indivíduo em comparação ao infinito. Se a existência do ser vivo for tão irrelevante, seu encontro com qualquer outra pessoa não deveria alterar o balanço da multidão. Mas a solidão à qual nosso mundo nos confina entra em nossa rotina fantasiada de relações irreais e é isso que nos dá a ilusão de que fazemos parte de um todo. Martín, no filme, encontra seu pequeno universo ao cruzar o caminho de Mariana. Isso, talvez, não faça muita diferença no balanço cósmico, mas dá um sentido relativo a nossas minúsculas existências diluídas no lapso da história do universo e nos mostra que é de coisas pequenas que precisamos para nossa felicidade passageira, assim como janelas nas medianeiras. 

'Todo lo que estás buscando', Mariana,
um pontinho na medianeira.


terça-feira, 19 de agosto de 2014

Êxtase em Cannes

Encarei a inexorável naturalidade do meu relacionamento com os filmes ganhadores de prêmios (sempre digo "por que ver?" e depois eu sempre vejo) e fui assistir à Palma de Ouro La vie d'Adele, vulgo Azul é a cor mais quente no Brasil (e em inglês). 

Adèle, garota francesa, adolescente, foi educada a planejar sua vida, profissional e amorosa. Vemos muito cedo que ela investe em ser educadora de crianças, conforme planeja desde a adolescência. Já pelo lado do coração, sua presumida "racionalidade" não a deixa seguir o caminho conforme o preestabelecido. Desde as primeiras experiências, ela repara que não existe paixão, nem sequer uma mínima emoção, ao fazer sexo, ou simplesmente sair e conversar, com um garoto da escola atraído por ela, nem com os demais.

Seu encontro, antes casual, depois planejado, com Emma, garota mais madura, lésbica publicamente assumida, a leva a expectorar aquela paixão latente. O que nos atrai da história é essa paixão sublimada, perpetrada, animal; uma paixão que, mesmo sendo sustentada pelo carinho constante de uma para a outra, transponde a relação amorosa das garotas para a perdição pura e total. As duas se mordem, se sentem, viram uma a continuação da outra, como se aquela fosse a última vez que se tocam. E, ironicamente, as últimas vezes que estão juntas, tudo fica mais frio, e nem o direito a um adeus carinhoso e sonhador é dado a Adèle, quando Emma descobre que a distância tomou conta do espaço entre as duas. Adèle implora por uma reproximação, quase nos faz acreditar que está contemplando o suicídio, mas no fim vemos que sua única solução é a aceitação e uma vida solitária.

Falar de todas as críticas que o filme recebeu não cabe aqui, são muitas mesmos, e claramente quebradas entre quem amou e quem odiou a película. Eu faço parte do grupo que achou o filme super interessante, porem sem merecer espaço na estante nobre da minha videoteca. Mas preciso dizer que não concordo muito em estigmatizar o diretor Kechiche dizendo que foi sádico e que foi desnecessário ter insistido em cenas intermináveis de sexo, pois, se pararmos para refletir sapientemente, podemos enxergar que o fio condutor, a alma do filme, o centro de gravitação das relações é a luxuria, é a doce perdição da carne. E é tudo isso que Kechiche quer passar através de sua suada (sobretudo pelas atrizes) película. Ele é um perfeccionista e sabe atrás quais meios precisa recorrer para ter um trabalho bem feito. O que eu vi me convenceu muito. Adèle e Emma (Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux) explodem de prazer e é exatamente isso que o diretor quer mostrar. A boca onipresente de Adèle, quando come qualquer coisa, quando se suja, quando sorri, quando dorme e respira profundamente, quando beija Emma, é objeto obsessivo de closes de Abdel Kechiche. Muito boa escolha, aliás. Sim, a intenção de Kechiche é de nos excitar e de nos mostrar o lado físico da história das duas, de nos deixar incomodados quando, por longos minutos, vemos apaixonadíssimas cenas de sexo; mas somente porque na hora do cinema estamos próximos a alguém. As atrizes também, não pouparam críticas às filmagens dizendo que Kechiche é um sádico (me lembra muito quando os atores nos bastidores de Shining disseram do Kubrick que era um maníaco, que repetia a cena da porta do banheiro só por sadismo). Óbvio é que, depois da Palma de Ouro, (pelo menos) as atrizes trocaram o adjetivo "sádico" pelo substantivo "génio" e sorridentes abraçaram o diretor que lhe deu essa cobiçada estatueta.
A boca de Adèle: êstase, sono, fome, alegria.

Em poucas, e últimas, palavras, diria que o filme não é único e imperdível, mas ele consegue desencadear uma série de emoções reprimidas, latentes no substrato animal que jaz em cada um de nós, heterossexuais, homossexuais, tímidos, extrovertidos, homens ou mulheres, e isso não é fácil de esquecer.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

O discreto fascínio da decadência

Ontem, driblei milagrosamente o transito maluco que dita as leis no Rio em horário vespertino e consegui chegar na sala 2 do Roxy bem quando as luzes estavam perdendo intensidade para deixar o projetor nos encantar com Grande Hotel Budapeste. Sai de lá feliz. Depois de doze horas fiquei de novo com vontade de assistir!


O então fictício L'air de Panache,
hoje à venda na internet
O filme é um encanto de cores. A delicadeza das personagens nos deixa uma calma e nos inspira uma saudade de tempos que não vivemos mas, mesmo assim, imaginamos já ter visitado; talvez um dia, em nossos passados. 








Courtesan au chocolat da
 fictícia confeitaria Mendl's
Os perfumes e os sabores, que não podemos sentir, são apresentados de tal forma a entrar em nossa mente e recriar perfumes e sabores que já experimentamos na infância: um perfume da vó no vidro geométrico com borrifador e os éclairs da confeitaria Colombo. 





Apresenta uma cenografia de outdoor levemente onírica pois - ótima escolha, Wes Anderson!! - as montanhas, o teleférico, a pista de esqui e o próprio hotel, em sua versão de antiga glória em rosa, são maquetes. Isso contribui a remeter àquela sensação de falsas lembranças de criança e, também, a uma película em preto e branco colorida posteriormente, como nos melhores filmes do início do século XX. 


Até pensei que todas essas sensações fossem fruto de minha imaginação, quando descobri, com minha enorme surpresa, que o Grande Hotel Budapeste "existe" e é muito bem recomendado no Tripadvisor (vide no link)! Achei a ideia excelente! Isso só mostra como o toque de decadência romântica do filme nos envolveu profundamente.




Uma irreconhecível Tilda Swinton
O time de celebridades que trabalhou no filme nem precisa de apresentações. Mas o fato interessante é que todos eles, com exceção de Ralph Fiennes no papel do gerente do hotel e de Jude Law, o escritor, aparecem por poucos minutos, se não segundos, como é o caso de Bill Murray. Tilda Swinton, quase irreconhecível com seus olhos vidrados, ostenta uma elegância e fineza de outras épocas.





O time do Grande Hotel Budapeste
Eles fazem parte do prestígio que o Grande Hotel Budapeste representa; são pequenas grandes preciosidades que se confundem com as cortinas, os tapetes, as cerâmicas e os perfumes do glorioso e decadente lugar. 


sexta-feira, 18 de julho de 2014

Versões piores do que eu já fui

Pensei em ver por muito tempo. Finalmente consegui e essa semana vi Her, no Brasil Ela.

Preciso, antes de tudo, ressaltar o quanto sou super fã do diretor, Spike Jonze, que não só dirigiu outro filmaço de consideração, Being John Malkovich (1999), quanto, sobretudo, é personagem de grandíssimo destaque na direção de vídeos musicais ao lado de seus amigos e colegas de trabalho Chris Cunningham e Michel Gondry. Feras, não tem outras palavras para descrever. Só pelo gosto de citar alguns, eles já realizaram alguns dos mais famosos vídeos de Chemical Brothers, Bjork, Fatboy Slim, Beastie Boys, Duft Punk, Aphex Twin. 

Bom, dessa vez, Jonze se aventurou em lugares sombrios do entendimento seres humanos/máquinas. O campo de ação do filme, ambientado em um futuro ultra-tecnológico, é o da inteligência artificial (AI) e, tanto o foco quanto o climax, introduzem um conceito fascinante que é o da singularidade tecnológica (Technological Singularity); conceito que já há décadas foi imaginado e explicado por cientistas segundo metodologias de multiplicação seletiva da AI até níveis tão altos que chegariam a ser mais sofisticados que o próprio cérebro humano.

E foi justamente pensando em um futuro desse tipo - que os cientistas imaginam acontecer entre 2030 e 2045 - que Jonze nos faz imaginar como seria a interação com um tipo de AI do gênero. Óbvio, todos ficaríamos deslumbrados; alguns perdidamente apaixonados, como é o caso de Theodor (Joaquin Phoenix) que custa a acreditar no fato dele ter sentimentos por algo que existe só virtualmente...só? O grande questionamento nasce na definição do que é real e o que não é. É qualquer existência condicionada ao "ser" fisicamente? 

Mas, o que me chamou mais a atenção nem foi esse dilema dos homens com a "autenticidade" das AI. O ponto mais crucial, para mim, foi a própria AI - no caso de Her o Sistema Operacional (OS) com a voz magnífica de Scarlett Johansson - questionar sua própria existência: "Eu existo?", "Onde existo?", "O que eu sou?" e, mais importante, "Eu sou real porque meu sistema me programou para acreditar nisso ou eu não sou diferente dos humanos?". A consciência, a sensibilidade, em uma palavra, o que nós chamamos de "alma".

Será que o filme de Spike Jonze é um mero filme de ficção científica? Talvez hoje o seja, mas o saber que AIs assim podem um dia existir é, no mínimo, chocante. Muitos até achariam que o relacionamento entre Theodore e seu OS, Samantha, não poderia de toda forma existir pela falta de verdadeiro contato físico. Mas se fosse um relacionamento de amizade? Por que não? Supondo os devidos avanços que chegariam na singularidade tecnológica, pessoalmente acho que o problema seria mais para as AI do que para nós "homens" (isso se não considerarmos o AL9000, óbvio!!*). Portanto devo dizer que concordo com o epílogo do filme e, acredito, com o ponto de vista de Jonze quando vemos a extinção voluntária dos OSs motivada por essas grandes problemáticas filosóficas ligadas à existência.


Deu para perceber que o "just lesser versions of what I've already felt" é para refletir sobre o contraste com as poderosas novas versões e as incríveis novas sensações da AI?



Pensando, agora, mais um pouco no filme, nós podemos notar que ele conta com uma finíssima fotografia, cheia de luzes naturais intervaladas por luzes artificiais, ambas muito atraentes e cheias de vida. Os cortes são ótimos e as cores bem monocromáticas, sem exagero de informações, como eu gosto! O foco das imagens também, absolutamente concentrado em Phoenix, quase como se não existisse nada em volta dos dois. A trilha sonora é linda, acabei de baixar comprar: abre com uma música de Aphex Twin, "Avril 14th", no piano, que dá para escutar a repetição, e inclui "The Moon Song" de Karen O. que foi amplamente aclamada pelos experts e que seria a música que a OS de Theodore, Samantha, compõe para ele dizendo-lhe que é o lugar onde eles dois existem e podem se encontrar.


Theodore (com Samantha no bolso da camisa) na praia. Fotografia linda com o foco absoluto nos dois. Os demais, desfocados, são só anônimos. 




* AL9000 é o Sistema Central em 2001: A Space Odissey de Kubrick que, raptado por um inusitado impulso humano de controle, resolve tomar ordens pessoalmente e se insubordinar.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

"I think my mask of sanity is about to slip"

Conhecemos bem nós mesmos? Todos nós achamos que sim. Mas quem já teve a oportunidade de ficar um pouco sozinho, ou a fatalidade de passar por problemas com a própria psique, sabe bem que não é assim. Estamos longe disso. 

Quando criança, de madrugada morria de medo de ir ao banheiro. Não porque achasse que algum monstro vindo de outro mundo ia me matar ou algum ladrão me raptar. Eu não queria olhar no espelho do banheiro pois tinha medo que ia ver outra pessoa no meu lugar, uma pessoa malvada que fizesse algo de ruim.

Bom! Cresci e carrego ainda fraquezas e dúvidas, como cada um de nós. Mas ainda continuo sendo um mistério para mim.

Esse prólogo não é à toa. Faz doze horas que eu re-assisti American Psycho, que conta com a fantástica interpretação de Christian Bale, e ficou dentro de mim aquela sensação de deságio que nasce de uma problemática clara proposta no film: a prisão interior da nossa natureza humana.

A vida, o trabalho, a rotina, o sistema...tudo que nós vivenciamos cotidianamente forma uma estrutura complexa na qual coabitamos em simbiose com todos os outros. Isso nos afeta de uma forma quase sempre mecânica e, quando percebemos, temos que fazer um grande esforço para analisar o que está à base dessa estrutura. Alguns tendem a esquecer que essa estrutura existe até serem forçado por eventos, naturais ou não, como a morte ou o nascimento de alguém, algum fracasso ou um grande sucesso, certas desilusões ou surpresas inesperadas. Outros, vivem isso de forma tão nítida que impossibilita uma vida "normal", conformada naquela simbiose com o sistema que eu falei.

Patrick Bateman vive uma vida de glórias, com uma noiva rica, um corpo perfeito, uma rotina metódica, um trabalho dos sonhos...tudo para, como ele diz, "fit into it", isto é, se encaixar no sistema. Se ele fugir disso, é o fracasso, a perdição, a marginalidade. Ele tem nojo das pessoas que não trabalham e se glorifica de todas as atenções que ele se sente merecer pelos esforços em manter uma aparência impecável e um emprego de primeira.

Só tem um problema. Ele vive em uma pessoa que não reconhece. Atrás daquela máscara, tem o vazio.


"There is an idea of a Patrick Bateman. Some kind of abstraction. But there is no real me. Only an entity. Something illusory. And though I can hide my cold gaze, and you can shake my hand and feel flesh gripping yours, and maybe you can even sense our lifestyles are probably comparable, I simply am not there."
 Ele, assim, constrói um mundo noturno onde entra em contato violentamente com pessoas a ele subordinadas, ou que ele acha que deveriam assim ser, na vida real. O colega de trabalho, as prostitutas, mulheres superficiais, porteiros, policiais, mendigos...E tem a necessidade de desfrutar dessa aproximação até (conforme confessado no climax) cozinhando e comendo o cérebro de alguns deles.

Muito cedo percebemos que isso não passa de um abisso de irrealidade que seu subconsciente projeta ao anoitecer para que ele respire, por algumas horas, o ar livre, o oxigênio da animalidade humana. Ele precisa se sentir fraco, precisa se sentir humano, precisa muito cometer erros e ser comiserado e ajudado. E ele espera que isso aconteça quando, sem aparente jeito de se safar, pede ajuda a seu advogado. Este o chama à realidade, dizendo-lhe que nada que ele está dizendo aconteceu.

A catarse que Bateman anelava não chega, pois tudo está ainda arrumado para se encaixar no sistema, e ele, triste e desesperado, decide que seu mal-estar precisa contagiar os outros.
"There are no more barriers to cross. All I have in common with the uncontrollable and the insane, the vicious and the evil, all the mayhem I have caused and my utter indifference toward it, I have now surpassed. My pain is constant and sharp and I do not hope for a better world for anyone; in fact, I want my pain to be inflicted on others. I want no one to escape, but even after admitting this there is no catharsis, my punishment continues to elude me and I gain no deeper knowledge of myself; no new knowledge can be extracted from my telling. This confession has meant nothing."



Christian Bale se adapta à personagem e consegue nos mostrar como é a vida de quem não encontra essa catarse. Sua interpretação é ótima, eu diria a melhor que eu já vi do ator. Sobretudo no homicídio de Paul Allen (Jared Leto), quando vemos de forma tragicômica sua interseção entre vida normal - falar de música e vistir um terno Valentino - e o surreal - matar um colega com um machado se protegendo com uma capa de chuva -  e no telefonema ao advogado, quando ele entende o quanto absurdas foram as coisas que ele fez SE transpostas no plano do sistema (i.e. confessando tudo e tentando, assim, a catarse). 

sexta-feira, 20 de junho de 2014

From Russia With Love

Os clássicos. O que seria nossa vida sem eles? 

 Claro que, os que hoje procuramos saudosamente nas nossas estantes em dias de chuva, já foram longas que passaram no cinema ineditamente e que foram até muito criticadas por alguns. Hoje nem conseguimos imaginar como isso podia acontecer, mas os tempos mudam e nós mudamos. 

 O que eu assisti há mais de doze horas é um dos mais clássicos: 007. From Russia with love. Quem já não viu pelo menos uma cena do filme? 

 O enredo é uma sucessão de eventos bem trançados que Ian Flemming construiu anos antes do filme em um romance progenitor dos demais, que também serviram de roteiro para outros filmes da coletânea. 

 A Guerra Fria é o pano de fundo e, nos mesmos dias em que esse filme estava tomando forma, outro grande clássico estava preste a se consagrar na história do cinema: o Dr. Strangelove de Stanley Kubrick. A supremacia de um dos dois blocos era o assunto do dia, sempre. Nos filmes, isso se via, também, de forma às vezes parodizada, às vezes só "embelezada" para aperecer com um charme aventureiro e intrigante. A série 007 foi pioneira nessa última vertente, adicionando toques de mistérios, como é o caso do From Russia with love, cujo climax se passa interamente nos vagões do famigerado Orient Express, entre os fantasmas de Agatha Christie.

 Lembrei muito de Inglorious Basterds do Tarantino quando revi a cena do vagão restaurante. Nos fotogramas, Grent, desfarçado de agente secreto britânico que supostamente ajudaria Bond, pede ao garçom peixe com vinho tinto, coisa que chama a atenção de Bond (e a nossa) por ser um tanto ousada. Vemos, pois, na cena seguinte, James Bond desmascarando o desfarce, ainda comentando "peixe com vinho tinto... deveria ter desconfiado que era russo!". No filme (e não somente nesse), os russos são retratados como brutos e sem sofisticação, em completo contraste com o gosto "fino" inglês. Mas, por que lembrei de Tarantino? Lembram aquela cena de Inglorious Basterds na taberna onde os alemães estão bebendo e alguns americanos querendo se infiltrar? O americano faz sinal de "drei Bier" à la ocidental, mas na Alemanha, como em outros lugares, o 3 se faz com dedos agrupados de forma diferente. Isso faz com que o alemão (James Bond do caso) desvende a tentativa de intrusão. Será que Tarantino é um dos fans de 007? 

 Pois bem. O charme do filme, inútil dizer, é o agente especial 007 que, com seu duplo "0" indicando a permissão para matar, carrega as fraquezas de um galante que mostra sempre uma forte habilidade e intuição que o salvam nas situações mais perigosas. Isso, óbvio, com o auxílio de ferramentas que nós já sonhamos em ter nas nossas gavetas. Em From Russia with love aparecem pela primeira vez: uma maleta "quente", o telefone (!) na Bentley do agente, uma câmera/gravador e um aparelho para detectar escutas no quarto de hotel; que vinha a ser, praticamente, a marca registrada do 007 e objeto de comentários do público: "quando vai usar isso?", "ele já usou?", "ah, agora que ele vai usar!". 

 Um dos detalhes, que também acompanha todos os 007 a seguir, é a sequência de abertura do filme com o tema da trilha sonora e cenas de mulheres (intrigando/inganando, não se sabe ainda), do próprio 007 e de armas. O todo é editado com sombras, às vezes com cortes inclinados e invertidos e mostrando só detalhes. Essa fantástica ouverture, que perpassa todas as épocas do 007 e, portanto, reflete cada período em modas da edição e do figurino, sempre faz um apanhado geral da história e uma pequena prévia do climax, sempre involvendo a bond girl da vez, ou uma mulher que se pareça muito com esta, para denotar sua personalidade misteriosa. Até o próprio Bond nem sempre aparece com seu ator da vez, pois ele próprio passa por momentos de perdição e dúvidas pessoais. 

 Em From Russia with love, ainda, vemos Sean Connery em sua segunda aparição como 007, o que viria a se consagrar como um dos sex symbols mais conceituados, para algumas, e como ídolo e herói bon vivant, para outros. Isso vem, um pouco, mudando com a “temporada“ de Roger Moore que faz um papel de agente um pouco mais atrapalhado. Voltará com Pierce Brosnan para ser novamente revisitado pelo nosso contemporâneo Daniel Craig. 

 O mais importante é que, mesmo com o passar dos anos, os mistérios, as reviravoltas, a interação das personagens, os epílogos e o próprio James Bond continuam nos entusiasmando de forma quase inexplicável, mesmo a quem conhece as cenas de cor.


Tatiana Romanova, a bond girl russa

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Estou cantando e dançando na chuva!

Fiquei muito feliz quando o Cine Joia de Copacabana divulgou que teria projetado um dos primeiros musicais que eu vi na vida, na sexta-feira passada. E que, além de tudo, o teria feito de forma franca.

Singin'in the Rain é um show de diversão e uma escola sem par para os que hoje almejam se tornar grandes estrelas da Broadway. Pode afirmar-se sem perder tempo que esse clássico foi pioneiro na escolha de estilo e ditou padrões de qualidade artística inequivocáveis. Todas lá são estrelas brilhando, mas, quem dirigiu, inventou e preparou as coreografias e dançou nos emocionando, Gene Kelly, se destaca de forma louvável e nos diverte genuinamente. Lê-se em diversas fontes que o ator/diretor/dançarino estava com 39.4° de febre quando, chutando água para todos os lados, ficava imortalizado na história do cinema performando o tema singin'in the rain.

Nesse musical de 1952, outro astro, Donald O'Connor, deixa todos de queixo caídos ao interpretar make'em laugh, pulando, se machucando e fazendo graças digno de um Chaplin colorido. Ele, junto com Gene Kelly e com Debbie Reynolds, formam um trio hilário e extremamente talentoso. O gênero de interpretação dos três, o desenvolvimento da história, o figurino e o alternar específico de músicas e falas, preparou o terreno para todos os musicais seguintes, até a década de '60/'70 (Mary Poppins, Bye Bye Birdie, Hello Dolly, Funny Girl,...) e delineou as diretrizes para os musicais da Broadway, até os que estão sendo montados nos nossos dias.

Cartaz de 1952

Conforme o próprio poster diz, é um "tesouro musical". O virtuosismo do trio dançante e cantante rege essa obra prima como três pilares sólidos. São 103 minutos de filme só rindo e ritmando com o pé no chão sem parar para acompanhar as músicas já não mais inéditas, depois de 60 anos de sucessos e homenagens. Sempre recomendei assistir esse clássico e, depois de anos e anos que eu não via, re-entendi porque aquele meu pedido tão automático ao amigo da vez "tem que assistir, não pode deixar de assistir!!" fosse tão razoável!

terça-feira, 6 de maio de 2014

Por que as palavras?

Depois de alguns anos querendo (mas não muito) assistir Brokeback Mountain, finalmente consegui. Preciso dizer que, fazendo uma média de todos os comentários que tinha escutado sobre o filme, tinha tido uma idéia bastante pertinente com a realidade do longa de Ang Lee.

 Não preciso falar muito. Pelo que eu vi, essa história de uma grande paixão quer muito nos deixar com aquele gosto amargo de um carpe diem latente. Me emocionei, francamente, assim como posso me emocionar numa sessão da tarde. Mas uma coisa foi marcante para mim mais do que outras, a cumplicidade dos dois amantes que raramente precisaram de palavras.

Ennis e Jack imortalizados nas montanhas

sábado, 5 de abril de 2014

His Name is Ulysses?

Óbvio que é! 

Que outro nome os Coen podiam dar a uma alma errante, sem norte, confusa mas com um espírito guerreiro, perdida mas com o sonho de voltar para casa?

Ulysses in Inside Llewyn Davis
Já encontramos em O Brother, Where Art Thou? o protagonista homérico cujas aventuras Ethan e Joel Coen exaltam, parodiam e dilatam para reflexão. 

Em Inside Llewyn Davis, enquanto Llewyn vive momentos de decepção da vida, do amor, da música, dos anos '60, da sociedade e dos EUA, o verdadeiro protagonista, Ulysses, aparece em sua "personificação" de gato e vive suas aventuras de forma corajosa sem, porém, fugir do objetivo do seu dia a dia: voltar para o lar.

Se o filme for analisado pelo lado de Llewyn, pode um pouco decepcionar. Não foi, em minha opinião, o melhor filme dos irmãos Coen; nem de longe. Não tem o mesmo drama que assistimos em A Serious Man, embora tente construir a mesma personagem sem sorte nenhuma com a vida.

Se, por outro lado, nos concentrarmos sobre o que representa o gato "perdido" desde o início até o final do filme, podemos perceber que ele é, de fato, o que há "dentro Llewyn Davis": uma alma de sonhador.


quinta-feira, 27 de março de 2014

La Belle Personne

Depois do período Oscar, recomecei a assistir (ou re-assistir) filmes de anos passados. Ontem, graças a uma linda noite entre amigas, re-assisti La Belle Personne do cineasta francês Christophe Honoré (2008).


La Princesse de Clèves e Nemours
A história, por ser baseada nos temas principais do romance de Madame LaFayette La Princesse de Clèves - conforme aparece em epígrafe ao próprio filme - é resumivél em poucas palavras: a moça comprometida não cede à paixão de um amor proibido e o recusa.
O que faz toda a diferença é a contextualização: nos bons tempos da princesa Clèves, durante a regência da monarquia francesa de Henrique II, temos uma alta bourgeoisie completamente corrompida pelo luxo e pela luxúria. A princesa sobressai por ser um ponto fora da curva e recusar qualquer tentação, mesmo sabendo que seus sentimentos para Nemours são verdadeiros (porém volúveis). Mas, por serem sinceros, não era coisa tão chocante, naquela época, recusar uma paixão por motivos morais pessoais (quero dizer, só porque Madame Bovary não conseguiu não significa que ninguém conseguia!).


Junie e Nemours
O que nos deixa mais perplexos é uma garota de dezoito anos, mesmo que muito sensível, estar apaixonada e correspondida e não somente recusar sua paixão categoricamente, quanto fugir de malas prontas sem dar nem a mínima chance para uma eventual mudança de idéia. Ela não acredita no compromisso eterno de Nemours e prefere guardar esse sonho que ficar decepcionada e manchar com a triste realidade um lindo amor. Honoré, em seus filmes muitos sofridos, nunca nos poupa um suicídio, um colapso depressivo, algumas brigas amorosas e litros de lágrimas (e, às vezes, um Louis Garrel completamente nu). Em La Belle Personne, ele capricha no relacionamento platônico de Junie e Nemours até o limite do anacronismo. No final nos perguntamos: seria possível isso hoje?

segunda-feira, 24 de março de 2014

I'll be a Beautiful Angel

Finalmente, chegou a hora de falar sobre Dallas Buyers Club (O Clube das Compras de Dallas), essa valiosa aula de recitação.

Matthew Vs. Ron
Em primeiro lugar, a história verdadeira de Ron Woodroof poucos conheciam antes dele ser incorporado por Matthew McConaughey no filme desse ano. Ele realmente criou o Dallas Buyers Club depois de ter desistido do sistema de cura que a saúde pública dos EUA, regulamentada pela Food and Drug Administration (FDA), tinha planejado para o número crescente de pacientes com AIDS na década de 1980.
Conforme qualquer doença fatal ou muito grave, o processo para chegar em um tratamento minimamente satisfatório para essa doença imuno-deficiente demorou anos ou, como muitos diriam, ainda não chegou. Os interesses envolvidos são dos mais perigosamente poderosos: vida, dinheiro e o próprio poder de interferir com ambos. Embora personagem muito controversa, o Ron é, ainda hoje, lembrado pelo compromisso muito grande que teve com essa causa.

Depois que assisti o filme, do qual não tinha a mínima expectativa, nem muito conhecimento por ter sido ofuscado pelos colossos 12 Years a Slave e outros concorrentes do Oscar desse ano, me senti completamente transportada pela atuação incrível que logo se percebe ao conhecer os protagonistas desse longa. Seria muito redutivo dizer que o trabalho dos atores foi de qualidade porque eles perderam peso para interpretar o Ron e o Rayon. Mas, sim, eles perderam peso e, julgando pelo olhar, perderam também a esperança, a felicidade e tudo que deixa um ser humano sereno e confortável dentro de uma multidão social. 

Jared Leto como Rayon
Matthew McCounaghey e Jared Leto se prepararam muito bem e duramente para interpretar as duas personagens e nós espectadores sentimos o resultado dessa preparação em cada cena. Especialmente o Leto não está interpretando um transexual mas, primeiramente, um doente de AIDS que combate pela causa do Clube e contra a doença. Claro que o background da personagem é de complexa problemática por ter sido afastado pelo pai e ter contraído a doença pela vida promíscua de drogas e sexo que já fazia parte de um passado dilacerante de sofrimentos; mas a mensagem que a personagem me passou foi de que não importa que você seja preto, branco, mulato, gay, transexual, velho, jovem, casado ou solteiro. Em uma doença desse tipo todos esses aspectos são transcendidos pela impotência de viver em um mundo que continua rodando, mesmo enquanto você é doente terminal. E então, todos eles começam a se aglutinar e a fazer parte do mesmo capítulo da história. Rayon chega a voltar para pedir ajuda ao seu pai e faz isso com roupa masculina, doa o único dinheiro que tem ao Ron para não deixar o Clube morrer - mesmo que precise deste, ainda, para se drogar - vai ao hospital para morrer em silêncio; praticamente, é a alma do filme e da aglutinação deles todos.

Li um artigo do Steve Friess (TIME) no qual o jornalista escreve sobre seu total desacordo com o Oscar com o qual a Academia premiou o Leto pelo papel de Rayon. Ele afirma que, assim como a atriz Hattie McDaniel em 1940 ganhou o Oscar pelo papel de Mummy no E o Vento Levou somente por ser negra, hoje o Leto ganha o Oscar "somente" por interpretar um transexual. 

Para contestar o Friess, queria tocar dois pontos: o primeiro tem a ver com a integridade (ou a falta desta) na Academia; o segundo é sobre o que seria uma boa atuação. Começando com a Academia, acho, de fato, que esta é sujeita a julgamento moral primeiramente pela própria sociedade EUA mas que, se tivéssemos que seguir o raciocínio do Freiss (quem quiser entender melhor seu ponto de vista, é bom ler o artigo aqui), não deveria ter ganhado um ator """normal""" que faz o papel de um transexual e, sim, um ator transexual. Sobre a atuação di per se, me desculpem os seguidores de Friess, mas estou muito incline a definir o trabalho do Leto praticamente impecável. É emocionante, honesto e muito minucioso. Os olhares nos penetram como lâminas profundas no coração e, nos nossos mundos de hipocrisia intermitente, achamos super justificado cada furo de heroína que seu corpo aguenta. Quem deveria ter recebido o prêmio e foi desmerecido?

Aguardo comentários para saber se é mais fácil comprar a versão do Freiss ou a minha!

sábado, 22 de março de 2014

Uma janela indiscreta sobre uma história infame

Queria muito me abrir sobre um filme que amei, Dallas Buyers Club, mas sinto que estou devendo ainda uma reflexão -forçada- sobre o Twelve Years a Slave; enrolar não vai mudar as coisas: o filme te estupra a alma.

Steve McQueen achou sensato nos subministrar mais de duas horas de agonia ao tentar nos relegar o papel de espectadores, na sombra da prisão que era a escravidão, e nos deixar impotentes de qualquer atitude, pois nós somos o presente que é um futuro muito longe do passado das barbarias que se foram. Nós não somos ninguém, quando Solomon agoniza pendurado com a corda no pescoço e com os pés na lama traiçoeira -e ficamos segundos que parecem minutos que parecem horas olhando para ele, em silêncio-, quando Patsy é chicoteada violentemente até os ossos por ter sido obrigada a sofrer os ataques sexuais de outro senhor, no lugar do seu. Nós ficamos passivos na escuridão chorando e querendo fugir como se o trem estivesse entrando na sala de cinema, pois tudo que a gente vê é muito mais verdadeiro e real que o próprio trem chegando no trilho. 

Sim, do meu ponto de vista o McQueen conseguiu brilhantemente nos deixar completamente na lama da miséria humana. Foi uma tentativa muito bem sucedida de relembrar do legado que temos com a nossa natureza de bestas. 


Embora eu prefira mil vezes mais o estilo do Tarantino (nada a ver falar dele agora!) com o Django, há de se reconhecer a qualidade desse filme, suprema. Achei a fotografia muito escura, complementando o objetivo do filme, e a trilha sonora bem colocada nos momentos que precisavam. O silêncio desolador da cena do enforcamento do Solomon é de arrepiar.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Von Trier-maniac

A loucura do Von Trier já não é mais grande segredo. Sabe muito bem disso quem já teve a ousadia de se aventurar na longa-metragem Antichrist, filme que o Lars decidiu escrever e rodar numa época de depressão. Acho que, quem ainda não viu esse filme, já pode imaginar do que se trata com essas poucas palavras.

Mas hoje já se passaram mais de 12 horas da segunda vez que tive a chance de assistir Nynphomaniac 2, daí vem algumas observações sobre ambos os capítulos desse último filme do mais controverso cineasta dinamarquês. Cuidado, minha gente, pois, como para todo filme que será aqui descongelado e desossados depois das 12 horas de hibernação, esse post terá um conteúdo altamente spoiler e, portanto, só continuem ler os que JÁ VIRAM as duas partes do filme. Eu avisei.


Como aprender uma aula com Nynphomaniac

A primeira parte do filme chocou alguns. Eu não sei dizer se me tocou nesse sentido. Talvez, depois de 12 horas comecei achar bem "transgressivo" mas sem ter me perturbado por isso. É um prólogo para o segundo e mostra, com as palavras da própria Joe, o quanto e o como a sua vida sempre foi focada na sexualidade e que ela nunca conseguiu discernir a sua sexualidade com o resto dos aspectos da vida. É um conto que achei bem dramaticamente divertido. Achei que o Von Trier quis que a gente risse mas daquele riso bem irônico. Afinal, a Joe não consegue ter uma vida satisfatória por mais que ela tente.


Expiação em Nynphomaniac 2
Para a segunda parte do filme, Nynphomaniac 2, eu teria o resumo em uma palavra: expiação. A Joe parece ter noção de que, tudo que está acontecendo de "errado" nessa fase adulta da sua vida é como se fosse o preço que está pagando por ter tido uma sexualidade completamente fora de qualquer padrão. A divisão em capítulos é quase um roteiro dantesco que consegue achar sempre um final inusitadamente expiatório para cada estória. Até a última cena na qual ela confessa ao Seligman que ele talvez seja o único amigo que ela já teve e, logo depois, ele tenta ter uma relação sexual com ela, é triste e frustrante. Von Trier ao entrar na alma humana, tenebrosa e pungente, mais uma vez mostra que o principal perigo não está fora de nós; que alguns conseguem conviver com tudo, outros não, e outros passam por um longo processo de expiação, como já aparece em Dogville, Europa e Melancholia entre outros. O tiro que a Joe dá no Seligman a deixa, porém, novamente sozinha à mercê da própria mania. Confesso que fiquei muito mais que 12 horas pensando na última cena. Me tocou de uma forma que, mais uma vez, não parei de pensar "o Von Trier é um doente".

Sobre a técnica do longa, eu sou, e aqui eu vou admitir uma vez por todas, uma grandíssima fã das escolhas do Von Trier: gosto dos cortes, da luz, do som. E a imagem que mais gostei do filme foi uma linda fotografia que vemos no capítulo "The Gun" quando a Joe encontra a própria árvore; são duas imagens, uma dela bem pequena com a arvore contornando o perfil e a seguinte dela e da árvore uma contra a outra, como se enfrentando. Se eu achar as imagens, as colocarei. Se alguém achar antes de mim, compartilhe por favor! 



quarta-feira, 19 de março de 2014

Marcello, é solo un trucco!


Agora, voltando aos dias de hoje, decidi começar o blog com um filme que me emocionou, que me levou à reflexão, que despertou recordações e que, pessoalmente achei sensacional e, dessa vez, tem um "legítimo" título italiano: La Grande Bellezza. Foi um filme sofrido: vi ele aqui em casa com amigos numa versão baixada (c'est la vie...) e dormi mal. Depois das 12 horas, acordei com a sensação horrível que eu tinha rebaixado uma obra de arte ao nível de um seriado americano. Thank God consegui pegar uma sessão no Laura Alvim e recoloquei em jogo minhas espectativas. Depois de 12 horas não parava de pensar nele. Bom, além de ser um filme lindo, com uma fotografia fantástica e tudo que tem de melhor, o que mais me intrigou foi a homenagem muito bem pensada e feita à "La Dolce Vita". Se alguém tiver dúvidas já vai repensar:

A Personagem: Jep VS. Marcello

Claro que, em ordem de evidência, ia começar com o elemento mais trivial. Jep, assim como Marcello, é um escritor e jornalista que mora em Roma, gosta de mulher problemática e, no final, a única mulher que não "era para ser" e a mulher que mais terá importância na vida dele. Está procurando a quintessência da vida e da existência, é hedonista, o jeito de falar dele e cadenciado mas todo mundo o entende. Anda com as mãos nos bolsos e para no meio do nada para apreciar alguma coisa que os outros não veem, sobretudo algo que se relaciona à infância e à religião.

Falando em Religião:

Os elementos religiosos nos filmes de Fellini são sempre relacionados a um passado que não quer passar. E em Jep isso não é muito diferente, ele tem sempre uma relação tangente com as personagens do "sagrado" porém sem nunca entender a vocação e os segredos delas.

Outras personagens nos dois filmes:

As prostitutas, o amigo inseparável, os burgueses vazios, a nobreza decadente, a menina que o observa, os artistas, alguns do mundo circense, em La Grande Bellezza ele admira o vizinho que acaba sendo preso e em La Dolce Vita o Marcello admira o amigo que acaba se suicidando, no LGB a ex-namorada morre e o marido aparece destruído, no LDV o amigo morre e a mulher aparece destruída.

As cenas e as citações:

1.No "La Grande Bellezza", na cena da orgia de Botox, uma das madames que se faz injetar o veneno convida o médico para a "festa de divórcio dela" onde haverá dançarinas nuas. Em "La Dolce Vita" vemos, de fato, a cena da festa de divórcio com a própria dona de casa fazendo strip. 2.Depois de uma festa sem fim, o Marcello participa de um tour no castelo atrás de relíquias; depois de uma festa, também, sem fim, o Jep também faz um tour desse tipo indo atrás de belas obras de arte (OBS: os figurinos são IDÊNTICOS!) 3.Vários e vários giros noturnos de Roma (linda...) 4. O Jep acorda Ramona com o café da manhã na cama com as seguintes palavras "Vamos Ramona, acorda logo que vou levar você para ver um monstro marinho!", se referindo ao Costa Concôrdia, na última cena de "La Dolce Vita" vemos, de fato, todas as personagens ocupadas a ver um "monstro marinho" que foi pescado durante a madrugada. O Fellini baseava-se muito em fatos de crônica para ter idéias de cenas e cenografia e, no mesmo ano que estava preparando as filmagens, aconteceu o fato curioso de um peixe muito grande e desconhecido sendo pescado e de ter virado sensação jornalística.

Existem outras coisinhas menores que formam essa linda homenagem ao filme do Fellini e, outras talvez tanto importantes quanto, que esqueci ou que não reparei. Pelo resto, a essência do filme vou guardar comigo pois achei genial. Se alguém teve outras impressões sobre esse paralelismo, e já tiver passado das doze horas, pode compartilhar!

Sem Chance

Se estão vendo uma imagem aqui bem no segundo plano, atrás de tudo, e se nasceram na década de 80, já devem ter reconhecido que se trata de uma filmagem de uma cena de um filme bem velho, exatamente de 1984. Ele é "The NeverEnding Story", no Brasil "A História sem fim". Por que estou falando disso no meu primeiro post do blog já vou explicar. Num dia de inverno de 1989, quando eu tinha quatro anos, fui (levada) para a casa de algumas primas. Elas estavam assistindo um filme que estava passando na TV e eu só conhecia desenho animado; nunca tinha visto, até então, imagens de gente em carne e ossos aparecendo na TV. Eu cheguei até a perguntar "essas imagens tem uma história?", daí elas me contaram o que estava acontecendo no tal do "filme", palavra que para mim era sinônimo de "cerveja", "cigarro", "palavrões" e "gente grande". Eu achei aquilo o máximo e me senti tão emocionada que ainda, quando vejo esse filme, sinto a mesma coisa. O filme era "The NeverEnding Story", mas para mim era só "La Storia Infinita" pois, como qualquer filme na Itália, era dublado. Isso. La Storia Infinita foi o primeiro filme da minha paixão por cinema que não teve mais volta, sem chance!