sexta-feira, 27 de junho de 2014

"I think my mask of sanity is about to slip"

Conhecemos bem nós mesmos? Todos nós achamos que sim. Mas quem já teve a oportunidade de ficar um pouco sozinho, ou a fatalidade de passar por problemas com a própria psique, sabe bem que não é assim. Estamos longe disso. 

Quando criança, de madrugada morria de medo de ir ao banheiro. Não porque achasse que algum monstro vindo de outro mundo ia me matar ou algum ladrão me raptar. Eu não queria olhar no espelho do banheiro pois tinha medo que ia ver outra pessoa no meu lugar, uma pessoa malvada que fizesse algo de ruim.

Bom! Cresci e carrego ainda fraquezas e dúvidas, como cada um de nós. Mas ainda continuo sendo um mistério para mim.

Esse prólogo não é à toa. Faz doze horas que eu re-assisti American Psycho, que conta com a fantástica interpretação de Christian Bale, e ficou dentro de mim aquela sensação de deságio que nasce de uma problemática clara proposta no film: a prisão interior da nossa natureza humana.

A vida, o trabalho, a rotina, o sistema...tudo que nós vivenciamos cotidianamente forma uma estrutura complexa na qual coabitamos em simbiose com todos os outros. Isso nos afeta de uma forma quase sempre mecânica e, quando percebemos, temos que fazer um grande esforço para analisar o que está à base dessa estrutura. Alguns tendem a esquecer que essa estrutura existe até serem forçado por eventos, naturais ou não, como a morte ou o nascimento de alguém, algum fracasso ou um grande sucesso, certas desilusões ou surpresas inesperadas. Outros, vivem isso de forma tão nítida que impossibilita uma vida "normal", conformada naquela simbiose com o sistema que eu falei.

Patrick Bateman vive uma vida de glórias, com uma noiva rica, um corpo perfeito, uma rotina metódica, um trabalho dos sonhos...tudo para, como ele diz, "fit into it", isto é, se encaixar no sistema. Se ele fugir disso, é o fracasso, a perdição, a marginalidade. Ele tem nojo das pessoas que não trabalham e se glorifica de todas as atenções que ele se sente merecer pelos esforços em manter uma aparência impecável e um emprego de primeira.

Só tem um problema. Ele vive em uma pessoa que não reconhece. Atrás daquela máscara, tem o vazio.


"There is an idea of a Patrick Bateman. Some kind of abstraction. But there is no real me. Only an entity. Something illusory. And though I can hide my cold gaze, and you can shake my hand and feel flesh gripping yours, and maybe you can even sense our lifestyles are probably comparable, I simply am not there."
 Ele, assim, constrói um mundo noturno onde entra em contato violentamente com pessoas a ele subordinadas, ou que ele acha que deveriam assim ser, na vida real. O colega de trabalho, as prostitutas, mulheres superficiais, porteiros, policiais, mendigos...E tem a necessidade de desfrutar dessa aproximação até (conforme confessado no climax) cozinhando e comendo o cérebro de alguns deles.

Muito cedo percebemos que isso não passa de um abisso de irrealidade que seu subconsciente projeta ao anoitecer para que ele respire, por algumas horas, o ar livre, o oxigênio da animalidade humana. Ele precisa se sentir fraco, precisa se sentir humano, precisa muito cometer erros e ser comiserado e ajudado. E ele espera que isso aconteça quando, sem aparente jeito de se safar, pede ajuda a seu advogado. Este o chama à realidade, dizendo-lhe que nada que ele está dizendo aconteceu.

A catarse que Bateman anelava não chega, pois tudo está ainda arrumado para se encaixar no sistema, e ele, triste e desesperado, decide que seu mal-estar precisa contagiar os outros.
"There are no more barriers to cross. All I have in common with the uncontrollable and the insane, the vicious and the evil, all the mayhem I have caused and my utter indifference toward it, I have now surpassed. My pain is constant and sharp and I do not hope for a better world for anyone; in fact, I want my pain to be inflicted on others. I want no one to escape, but even after admitting this there is no catharsis, my punishment continues to elude me and I gain no deeper knowledge of myself; no new knowledge can be extracted from my telling. This confession has meant nothing."



Christian Bale se adapta à personagem e consegue nos mostrar como é a vida de quem não encontra essa catarse. Sua interpretação é ótima, eu diria a melhor que eu já vi do ator. Sobretudo no homicídio de Paul Allen (Jared Leto), quando vemos de forma tragicômica sua interseção entre vida normal - falar de música e vistir um terno Valentino - e o surreal - matar um colega com um machado se protegendo com uma capa de chuva -  e no telefonema ao advogado, quando ele entende o quanto absurdas foram as coisas que ele fez SE transpostas no plano do sistema (i.e. confessando tudo e tentando, assim, a catarse). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário