sexta-feira, 18 de julho de 2014

Versões piores do que eu já fui

Pensei em ver por muito tempo. Finalmente consegui e essa semana vi Her, no Brasil Ela.

Preciso, antes de tudo, ressaltar o quanto sou super fã do diretor, Spike Jonze, que não só dirigiu outro filmaço de consideração, Being John Malkovich (1999), quanto, sobretudo, é personagem de grandíssimo destaque na direção de vídeos musicais ao lado de seus amigos e colegas de trabalho Chris Cunningham e Michel Gondry. Feras, não tem outras palavras para descrever. Só pelo gosto de citar alguns, eles já realizaram alguns dos mais famosos vídeos de Chemical Brothers, Bjork, Fatboy Slim, Beastie Boys, Duft Punk, Aphex Twin. 

Bom, dessa vez, Jonze se aventurou em lugares sombrios do entendimento seres humanos/máquinas. O campo de ação do filme, ambientado em um futuro ultra-tecnológico, é o da inteligência artificial (AI) e, tanto o foco quanto o climax, introduzem um conceito fascinante que é o da singularidade tecnológica (Technological Singularity); conceito que já há décadas foi imaginado e explicado por cientistas segundo metodologias de multiplicação seletiva da AI até níveis tão altos que chegariam a ser mais sofisticados que o próprio cérebro humano.

E foi justamente pensando em um futuro desse tipo - que os cientistas imaginam acontecer entre 2030 e 2045 - que Jonze nos faz imaginar como seria a interação com um tipo de AI do gênero. Óbvio, todos ficaríamos deslumbrados; alguns perdidamente apaixonados, como é o caso de Theodor (Joaquin Phoenix) que custa a acreditar no fato dele ter sentimentos por algo que existe só virtualmente...só? O grande questionamento nasce na definição do que é real e o que não é. É qualquer existência condicionada ao "ser" fisicamente? 

Mas, o que me chamou mais a atenção nem foi esse dilema dos homens com a "autenticidade" das AI. O ponto mais crucial, para mim, foi a própria AI - no caso de Her o Sistema Operacional (OS) com a voz magnífica de Scarlett Johansson - questionar sua própria existência: "Eu existo?", "Onde existo?", "O que eu sou?" e, mais importante, "Eu sou real porque meu sistema me programou para acreditar nisso ou eu não sou diferente dos humanos?". A consciência, a sensibilidade, em uma palavra, o que nós chamamos de "alma".

Será que o filme de Spike Jonze é um mero filme de ficção científica? Talvez hoje o seja, mas o saber que AIs assim podem um dia existir é, no mínimo, chocante. Muitos até achariam que o relacionamento entre Theodore e seu OS, Samantha, não poderia de toda forma existir pela falta de verdadeiro contato físico. Mas se fosse um relacionamento de amizade? Por que não? Supondo os devidos avanços que chegariam na singularidade tecnológica, pessoalmente acho que o problema seria mais para as AI do que para nós "homens" (isso se não considerarmos o AL9000, óbvio!!*). Portanto devo dizer que concordo com o epílogo do filme e, acredito, com o ponto de vista de Jonze quando vemos a extinção voluntária dos OSs motivada por essas grandes problemáticas filosóficas ligadas à existência.


Deu para perceber que o "just lesser versions of what I've already felt" é para refletir sobre o contraste com as poderosas novas versões e as incríveis novas sensações da AI?



Pensando, agora, mais um pouco no filme, nós podemos notar que ele conta com uma finíssima fotografia, cheia de luzes naturais intervaladas por luzes artificiais, ambas muito atraentes e cheias de vida. Os cortes são ótimos e as cores bem monocromáticas, sem exagero de informações, como eu gosto! O foco das imagens também, absolutamente concentrado em Phoenix, quase como se não existisse nada em volta dos dois. A trilha sonora é linda, acabei de baixar comprar: abre com uma música de Aphex Twin, "Avril 14th", no piano, que dá para escutar a repetição, e inclui "The Moon Song" de Karen O. que foi amplamente aclamada pelos experts e que seria a música que a OS de Theodore, Samantha, compõe para ele dizendo-lhe que é o lugar onde eles dois existem e podem se encontrar.


Theodore (com Samantha no bolso da camisa) na praia. Fotografia linda com o foco absoluto nos dois. Os demais, desfocados, são só anônimos. 




* AL9000 é o Sistema Central em 2001: A Space Odissey de Kubrick que, raptado por um inusitado impulso humano de controle, resolve tomar ordens pessoalmente e se insubordinar.

3 comentários:

  1. Adorei o texto, tem chance de seu uma das suas interpretações que eu mais gostei! Aliás, talvez você tenha me feito fazer as pazes com o filme, que eu não tinha gostado. Quer dizer, concordo inteiramente com os aspectos fotográficos e filosóficos, nesse sentido o filme dá um show, mas ainda achei que o seu dear Spike não conseguiu traduzir tudo isso num filme amável....é possível que a minha resistência venha do medo desse futuro que já dobrou a esquina, que anda minando o que pra mim sempre será a porta de entrada do amor (e a janela da alma): os olhos!

    ResponderExcluir
  2. Eu devo concordar que nada nunca poderá substituir um olhar, tampouco o calor de um abraço, a serenidade de apoiar em um ombro familiar ou um beijo longamente ansiado. Mas, mesmo assim, a busca contínua pela máquina perfeita acho que continuará por causa de um complexo de deus que nos acompanha. O "criar" algo que é, segundo alguns, uma vida, deve dar uma sensação de onipotência que nenhuma droga consegue dar! E, além disso, já existem protótipos com corpos, olhos, cabelos verdadeiros...enfim, assustador no mínimo!! Sobre sua crítica ao filme, não há o que discutir, tem quem gostou e quem não gostou. Mas escuta só a trilha, sobretudo a ouverture "Avril 14th", e acho que o filme vai te conquistar um pouquinho!

    ResponderExcluir
  3. Aliás, outro grande filme há ser comentado é Blade Runner, que recomendo para continuar com essa discussão!

    ResponderExcluir